quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Anticoagulação nos pacientes com cirrose e trombose da veia porta (TVP)

Por Dr. Carlos Noronha Ferreira

A anticoagulação em pacientes com cirrose e trombose da veia porta (TVP) aumenta a taxa de recanalização da veia porta e  previne a extensão de trombose. (1)(2). 
Três categorias de doentes com cirrose poderão beneficiar de terapêutica anticoagulante:


Candidatos para transplante hepático


A trombose da veia porta na altura de transplante hepático associa-se a maior necessidade de transfusões sanguíneas e um significativo aumento de complicações no pós-operatório. (3). No entanto, apenas doentes com TVP ocupando > 50% do lumen da veia porta tiveram aumento da mortalidade a longo prazo. 
A anticoagulação é administrada nos doentes com cirrose e TVP com intuito de obter pelo menos uma recanalização parcial antes do transplante hepático permitindo assim uma anastomose convencional da veía porta ao enxerto hepático e fluxo sanguíneo adequado(4).


Trombofilia genética e adquirida


A TVP é mais frequente na cirrose avançada (5) e é multi-factorial devido a um ajuste no equilíbrio no sistema de coagulação com aumento dos níveis de factor VIII e redução dos níveis de proteína C. (6). 


Trombose da veia mesenterica superior (VMS) 


A mortalidade na trombose aguda da VMS varia entre 20 e 50% dependendo da idade, comorbilidades, altura do diagnóstico e intervenções cirúrgicas. Adicionalmente a trombose da VMS associa-se a uma elevada taxa de recorrência.  (7). 


Avaliação antes de iniciar terapêutica anticoagulante


Os doentes deverão efectuar angio-TC para delinear a extensão de TVP e o grau de occlusão do lúmen(8) e também permite excluir carcinoma hepatocelular
Recomenda-se o rastreio endoscópico de manifestações de hipertensão portal e o início ou optimização de profilaxia de hemorragia con beta bloqueantes não selectivos ou laqueação elástica na presença de varizes esofágicas grandes e / ou varizes gástricas antes de iniciar terapêutica anticoagulante. (4)(9). 

Baseado na evidência científica actual, (1)(2)(10)(4)(9)(11), sugerimos considerer iniciar anticoagulação nos seguintes pacientes: 
1) Trombose occlusiva e nao occlusiva da veia porta (envolvendo > 50% do lumen) do tronco e / ou ambos os ramos da veia porta em candidatos para transplante hepático.  
2) Trombose occlusiva / nao occlusiva da VMS.
3) Trombofilia genética ou adquirida em doentes com TVP occlusiva / não occlusiva

Terapêutica anticoagulante a equacionar consoante a gravidade de cirrose e comorbilidades: 
Classe C de Child-Pugh  (Plaquetas  > 50,000cel/µL)  ou insuficiencia renal crónica e trombocitopenia (Plaquetas >50,000cel/µL) 
Enoxaparina 1mg/kg/dia s.c.
Tinzaparina 1.5mg/kg/dia s.c. 
Classe A or B de Child-Pugh (Contagem de plaquetas > 50,000cel/ µL)
Enoxaparina 1mg/kg 12/12 hours s.c. nas primeiras 4 semanas e depois passar a varfarina para manter o INR entre 2 e 3)

Duração de terapêutica anticoagulante
Equacionar anticoagulação por tempo indeterminado se o paciente está em lista para transplante hepático / se tem trombofilia genética ou adquirida / envolvimento da VMS.
Pelo menos 6 meses nas restantes situações clínicas e na TVP idiopática. 

Sugerimos não iniciar anticoagulação nas seguintes situações clínicas.  
Trombose isolada e parcial do tronco (< 50 % do lúmen) ou de um dos ramos da veia porta ou da veia esplénica. 
Repetir ecografia abdominal com doppler a cada 3 meses e equacionar iniciar anticoagulação se houver extensão de trombose. 
Pacientes pertencendo a classe C de Child-Pugh que não estão em lista para transplante hepático (Individualizar decisões) 
Pacientes com contraindicações para terapêutica anticoagulante. 
o Antecedentes de hemorragia intra-cranial / retroperitoenal 
o Contagem de plaquetas < 50,000cel/µL 
o Alcoolismo activo / elevado risco de queda / cumprimento irregular de terapêutica.  

A realização de um shunt porto-sistémico transjugular (TIPS) poderá estár indicado em doentes com progressão de trombose sob anticoagulação ou que desenvolvem complicações graves (Ex. Hemorragia intra-craniana / retro-peritoneal) sob anticoagulação. (4).

Referências
1. Francoz C, Belghiti J, Vilgrain V, Sommacale D, Paradis V, Condat B, et al. Splanchnic vein thrombosis in candidates for liver transplantation: usefulness of screening and anticoagulation. Gut. 2005;54:691–697. 
2. Chen H, Liu L, Qi X, He C, Wu F, Fan D, et al. Efficacy and safety of anticoagulation on more advanced portal vein thrombosis in patients with liver cirrhosis. Eur. J. Gastroenterol. Hepatol. 2016;28:82 –89. 
3. Yerdel MA, Gunson B, Mirza D, Karayalçin K, Olliff S, Buckels J, et al. Portal vein thrombosis in adults undergoing liver transplantation: risk factors, screening, management, and outcome. Transplantation. 2000;69:1873–1881. 
4. Francoz C, Valla D, Durand F. Portal vein thrombosis, cirrhosis, and liver transplantation. J. Hepatol. [Internet]. 2012;57:203–212. 
5. Valla D. Splanchnic vein thrombosis. Semin Thromb Hemost. 2015;41:494–502. 
6. Tripodi A, Anstee QM, Sogaard KK, Primignani M, Valla DC. Hypercoagulability in cirrhosis: Causes and consequences. J. Thromb. Haemost. 2011;9:1713–1723. 
7. Kumar S, Sarr MG KP. Mesenteric venous thrombosis. N Engl J Med. 2001;345:1683–1688. 
8. Buscarini E, Janssen HLA, Leebeek FWG, Plessier A, Rubbia-Brandt, Senzolo M, Schouten JNL, Tripodi A, Valla DC G-PJ. EASL Clinical Practical Guidelines: Vascular diseases of the liver. J. Hepatol. 2016 (In press)
9. Qi X, Han G, Fan D. Management of portal vein thrombosis in liver cirrhosis. Nat. Rev. Gastroenterol. Hepatol. [Internet]. 2014;11:435–446. 
10. Englesbe M, Schaubel D. Portal vein thrombosis and liver transplant survival benefit. … Transplant. 2010;16:999–1005. 
11. Rodriguez-Castro KI, Porte RJ, Nadal E, Germani G, Burra P, Senzolo M. Management of Nonneoplastic Portal Vein Thrombosis in the Setting of Liver Transplantation: A Systematic Review. Transplantation. 2012;94:1145–1153. 



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